sexta-feira, 7 de maio de 2010

Entrevista com Elton Medeiros, cantor e compositor*


Aos 8 anos de idade, Elton Medeiros compôs sua primeira canção. Mal ele sabia na época que se tornaria um dos grandes compositores de samba do País, e que teria entre os seus parceiros Cartola, Zé Keti, Paulinho da Viola, entre outros. Ainda criança, conheceu Heitor Villa-Lobos, regente do coral infantil no qual cantava. Mais tarde, tornou-se amigo de Pixinguinha. Com 79 anos de idade, o compositor carioca mostra vitalidade e lucidez com questões do passado e do presente. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o cenário musical, seus grandes amigos, sua carreira e uma outra paixão: o Carnaval.

O senhor chegou a ser aluno de Pixinguinha na Escola Técnica João Alfredo, que frequentou na adolescência?
Não, fui amigo de Pixinguinha, apesar da nossa diferença de idade. Ele lecionava na escola, mas eu tocava saxofone barítono e ele era professor do curso de regional e ensinava violão, cavaquinho e flauta. Pixinguinha iniciava alguns alunos na arte de tocar choro, de acordo com a formação do Joaquim Antônio da Silva Calado: dois violões, um cavaquinho, uma flauta e um pandeiro.

Como vê a homenagem prestada a Pixinguinha por meio do Dia Nacional do Choro?
É um reconhecimento da importância dele como um executante maravilhoso da música brasileira, do choro. Ele foi um dos maiores flautistas do Brasil. Muita gente não o conheceu tocando flauta. Depois que ele sofreu enfarto, passou a tocar saxofone, porque não tinha mais embocadura para tocar flauta.

O senhor tem novos projetos pela gravadora Biscoito Fino?
Gravei meu último disco, Bem que Mereci, em 2006, pela Biscoito Fino. A Olívia Hime (dire- tora musical da gravadora) e a Maria Lúcia Rangel (jornalista) estão com um novo projeto para fazer um disco comigo. Estou aberto a qualquer possibilidade de trabalho. Foi muito prazeroso fazer o Bem que Mereci pela Biscoito Fino, com produção da Luciana Rabello e com músicas minhas cantadas por mim. Fiz uma homenagem ao Zicartola, uma casa de shows em que Cartola era mestre de cerimônias e Dona Zica cuidava da culinária.

O Zicartola foi caracterizado por um movimento musical também, né?
O Zicartola foi um reduto de resistência política e cultural. Ele surgiu em uma época política muito conturbada e, naquela época, você ligava o rádio e só ouvia iê-iê-iê e bolero. Quando você percebe dois gêneros alienígenas tomando conta da programação de um país, você tem a sensação de que este país está acabando, que sua cultura está se esvaindo. Os pessimistas achavam que não tinha jeito. Eu achava que tinha jeito, mas me perguntava: que jeito vai ter e quando vai ter? Será que verei a música brasileira reagir ao iê-iê-iê e ao bolero? Mal sabia eu que participaria de um movimento, o Zicartola, que fez ressurgir a gafieira, as rodas e as casas de samba. O João do Vale cantava música nordestina e a Clementina de Jesus, partido alto, lundu e jongo.

E hoje, existe um movimento parecido com o Zicartola ou os músicos estão mais apáticos?
Notamos que há de um lado uma juventude muito alienada e de outro, uma muito interessada em aprender e preservar a cultura brasileira. Há uma juventude imensaestudando música. Os alienados são produto das ideias que a mídia impõe, por meio da televisão e do rádio: o tipo de música, de comportamento e composição fora da realidade brasileira.

A sua primeira composição gravada foi Falta de Queda, uma parceria com Ari Valério, pelo Jamelão, em 1958. Só depois que o senhor veio a gravar as suas composições...
Eu não me considero cantor. Depois que Jamelão gravou, a escola de samba Aprendizes de Lucas gravou uma música minha, depois outros cantores começaram a gravar como Elizeth Cardoso e Dalva de Oliveira.

O senhor fundou três escolas de samba (Tupi de Brás de Pina, Unidos de Lucas e Quilombo) e é um dos padrinhos da ala de compositores da Portela. O Carnaval mudou nas últimas décadas?
O Carnaval é mutante mesmo. Sofre influência, às vezes danosa, da mídia e assimila elementos alienígenas, que são da cultura brasileira, mas não têm nada a ver com a cultura da região. E assimila por força da divulgação dessas culturas pelo rádio, pela televisão e pelos discos. A mídia se encarregou de mesclar o Carnaval do Rio com outras manifestações, que não eram carnavalescas.

O senhor sempre teve ao seu lado grandes parceiros nas composições, como Cartola, Zé Keti e Paulinho da Viola. Há alguma curiosidade sobre eles para contar?
Eles já são a própria curiosidade. A cada encontro e em cada música, as curiosidades ocorriam em cada verso, em cada trecho melódico.

O senhor teve contato com Heitor Villa-Lobos quando cantava no coral infantil regido por ele...
Nunca tive contato direto com a pessoa Heitor VillaLobos. Ele regia lá e eu cantava aqui. Já o Pixinguinha foi meu amigo, eu frequentava a casa dele e gostava de conversar com ele. Várias vezes saí da minha casa ou do meu trabalho para ir ao Bar Gouveia conversar com Pixinguinha. Jamais conversei com Villa-Lobos, mas foi por falta de oportunidade de me aproximar. Talvez eu tivesse um respeito exagerado. Ele não ia dar bola a um garoto de canto orfeônico.
*Adaptado do original publicado no jornal A Tribuna em 5 de maio de 2009.

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