quinta-feira, 21 de abril de 2011

Entrevista: João Carlos Martins, maestro



Aos 70 anos, o maestro João Carlos Martins é uma pessoa repleta de histórias para contar. Com seu largo sorriso e bom humor, cativa os que o cercam. Após um Carnaval vitorioso, com a escola de samba Vai-Vai e o enredo A Música Venceu, engana-se quem acha que ele vai descansar. Pelo contrário. Depois de sua história invadir o sambódromo, estará na telona. O filme João, de Bruno Barreto, começa a ser rodado em meados do ano que vem.

A crítica internacional o considera um dos maiores intérpretes de Bach da história. O senhor se vê assim?
Eu acho que há grandes intérpretes da obra de Bach. Eu diria que estou entre os Top Five (risos).

O senhor estudou regência após sonhar com o maestro Eleazar de Carvalho (no sonho, Carvalho o incentivava a se tornar maestro, já que os médicos não o deixavam mais tocar piano). Que lembranças guarda dele?
Ele foi o maior regente do Brasil. O filho dele, Sergei Eleazar de Carvalho, é meu assistente na Bachiana. Eleazar foi, talvez, uma das maiores personalidades que conheci e o único que regeu as grandes orquestras do mundo. Ele foi exemplo para o Brasil pela coragem, determinação e talento.

O senhor costuma levar a sério alguns sonhos? É espiritualista?
Apanhei muito nesta encarnação porque devo ter aprontado muito na penúltima.

Se arrepende de alguma coisa?
Me arrependo de ter me envolvido, 20 anos atrás, com política (ele trabalhou na campanha de Paulo Maluf para o governo de São Paulo, em 1990, com a perspectiva de se tornar secretário de Cultura. Acusado de fornecer notas frias para justificar gastos de campanha, foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal). Não podia tocar piano na época, mas foram dois anos que considero desastrosos para mim. Faz parte da vida. Você tem que ter a esperança no teu futuro.

Todo mês,o senhor faz concertos para cidades de até 10 mil habitantes...
Nesse ano já fiz em Taquari (RS), cidade com 8 mil habitantes, e Estrela do Sul, a 120quilômetros de Uberlândia (MG).

Qual o objetivo dessas apresentações? Como o senhor vê a receptividade de pessoas que não têm acesso a esse tipo de apresentação?
Quando você chega com a orquestra, parece que para a Cidade. De repente, quando acaba o concerto, você percebe pessoas chorando. Você fica uma, duas horas, porque tem que dar autógrafos, tirar fotos, dar beijos. Quando chego na Cidade digo: ‘músicas que vocês estão ouvindo hoje, daqui a dez anos você nem vão saber mais. Mas eu vou cantar o primeiro compasso de uma música escrita há 250 anos e vocês vão cantar o segundo’. Todo mundo fica olhando pra mim. E eu faço: ‘pan/ pan pan/ pan pan pan pan pan pan’ (Eine Kleine Nachtmusik, de Mozart). E todo mundo: ‘pan/ pan pan/pan pan pan pan pan pan’.

O senhor pensou algum dia em desfilar em escola de samba?
Quando a Vai-Vai me convidou para ser o enredo, não aceitei. Falei que iria prejudicar a escola, porque achava que eles corriam sérios riscos. Um diretor da Globo falou para eu aceitar, que era muito importante. Eu fechei. Vamos para o 14º campeonato! Um dia antes do desfile, no dia 4, pediram que eu fizesse um discurso. Eu falei: ‘a coincidência foi a melhor coisa que aconteceu. Pra ganhar concursos de música, o meu dia de sorte é o dia 5”. Perguntaram: ‘Qual concurso o senhor ganhou no dia 5?’. Respondi: ‘Amanhã’.

Um dos pontos altos do desfile foi o senhor regendo a bateria. Quais as diferenças e semelhanças entre uma orquestra e uma bateria?
Foi a primeira orquestra que regi sem ninguém olhar pra mim. Se olhasse, atrapalharia. Fiz um gesto clássico, acompanhando a melodia. Fizemos um casamento. Era o romantismo de uma música clássica ao lado da bateria de uma escola de samba. Praticamente uma figuração.
Há perguntas que, de tanto terem sido feitas, você não aguenta mais responder?
Não. Sempre me perguntam da história das mãos. Nunca falo não em uma entrevista. Você não deve analisar o que aconteceu na tua vida, mas a responsabilidade do jornalista de ter a informação correta. Sempre respondo com o maior carinho e procuro mostrar que a resposta está sempre baseada na verdade. Agora vem o filme da minha vida, dirigido pelo Bruno Barreto. O nome do longa começou com o pé direito: João. Em princípio, quem vai me representar é o Rodrigo Santoro e as filmagens devem começar no meio do ano que vem.

Há alguma previsão de estreia?
Procuro fazer o melhor, o Bruno Barreto também. Pode ser que a estreia seja em Nova York, simultaneamente ao Brasil.

As conversas para este filme ocorreram antes do desfile da Vai-Vai?
O roteiro já está sendo feito. Li algumas partes. Está maravilhoso. Um roteiro emocionante, onde eu só apareço no final do filme, tocando com três dedos no Carnegie Hall e vem o letreiro que é uma história real.

Com toda a sua história de vida, é comum as pessoas já esperarem que se emocione...
Sou um chorão. Eu me emociono em público e sozinho. No dia do desfile, às 23h30, entra a Unidos do Peruche, nossa concorrente, com um enredo fortíssimo, o Teatro Municipal de São Paulo. Aí vejo que um carro não está conseguindo entrar. E vejo as pessoas daquele carro que não puderam entrar na avenida. Eu comecei a chorar. Eles são concorrentes nossos, mas deram a vida durante um ano para entrar na avenida. É o meu jeito. Passei batido pelas adversidades que me atingiram as mãos. Nunca foram um problema para mim. Mas das dores que atingiram a alma, talvez, eu não tenha me recuperado totalmente e fiquei uma pessoa muito emotiva. Quando estou regendo, conforme a peça, eu me emociono e choro.

Já que a música venceu no Carnaval e venceu na sua vida, quais são os seus projetos?
Prometi daqui a dez anos formar mil orquestras jovens no Brasil. Essas orquestras vão fazer a diferença do Rio Grande do Sul ao Amapá. E no segundo ano, as 150 primeiras vou reger, possivelmente, do MASP, da Avenida Paulista, via internet. Todas tocando juntas. E aí você mostra como o Brasil se encontra por meio da música.






*Entrevista publicada no jornal A Tribuna em 2 de abril de 2011.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá querida,gostei dessa reportagem;tem todo o jeitão do João mesmo,felismente somos amigos e toco violino,tive a felicidade de desfilar com os músicos em 2011,sem dúvidas ficou guardado no coração,amei seu blog
    beijo
    Ana

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