domingo, 13 de março de 2011

Exposições em Sampa mostram a arte islâmica



Mais de 14 séculos de história e cultura, sempre –ou quase sempre – impregnados pela religião. Esta tão tradicional cultura islâmica está em alta na Capital. Duas mostras,ambas com o objetivo claro de romper estereótipos e exaltar a beleza das obras de arte e objetos, estão em cartaz.


Uma delas é Islã:Arte e Civilização, que permanece até o dia 27 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A outra é Miragens, cuja temporada vai até 3 de abril no Instituto Tomie Ohtake. Ambas são gratuitas.


Islã: Arte e Civilização conta a história de países islâmicos a partir de acervos diversos. Cerca de 350 objetos e obras são os narradores de uma viagem por mais de 13 séculos de história. A foto ao lado é de um prato de cerâmica, originário da Síria do século 14, com a inscrição felicidade.


Há de tudo: mobiliário, tapeçaria, vestuário,armas,armaduras, utensílios, mosaicos, cerâmicas, objetos de vidro, iluminuras,pinturas, caligrafia e instrumentos científicos e musicais.


“Fui aos países de origem, tive acesso às reservas técnicas em busca do que me ajudasse a honrar a proposta de apresentar o cotidiano: como são as
confraternizações, como estudam, como se reúnem. Há uma linha orientalista que retrata os países islâmicos de forma igual. Mas eles são diversos, até mesmo na política e na sociedade”, diz um dos curadores da mostra,Paulo Daniel Farah.


Por isso, junto a Rodolfo Athayde, Farah buscou peças de vários países. Há acervos da Síria, oriundos do Museu Nacional de Damasco, Museu Aleppo e Palácio Azem; e do Irã, representado por obras do Museu Nacional do Irã, Museu Reza Abassie, Museu do Tapete.


Completam a mostra artefatos que pertencem à Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul – Países Árabes (BibliASPA), originárias do Marrocos, Mauritânia, Líbia, Líbano, Burkina Faso e do Brasil. A Casa das Áfricas contribuiu com itens de Mali, Niger e Nigéria.


Quatro anos foram necessários para fechar toda a programação da mostra.“É a maior já realizada na América Latina sobre cultura islâmica”, sentencia Farah.


Entre os destaques está uma sala dedicada só à caligrafia, na qual forma e conteúdo se misturam sobre diversas plataformas, entre elas o metal e o tecido.


“De acordo com a ocasião, eles utilizam um tipo de caligrafia diferente. Temos uma pedra de basalto com inscritos que datam da primeira dinastia islâmica (séculos 8 ao 13) e também manuscritos feitos por muçulmanos trazidos ao Brasil como escravos. Além de exemplos da escrita contemporânea”, destaca o curador.


Mais de duas toneladas de obras trazidas do Palácio do Deserto Al Hayr Al Gharbi (Síria) mostram a transição na arte islâmica. Em seus primeiros momentos, ela dialogava com a arte bizantina, especialmente pela representação humana e animal. Isso se tornaria cada vez menos
comum. Os artistas passaram a dar mais espaço a outros motivos, especialmente caligráficos, geométricos e florais.


“Alguns artistas islâmicos ainda fazem a representação humana e de animais. Mas poucos. Não é aconselhável, de acordo com a religião, para não limitar a criação de Deus”, explica Farah.


As figuras humanas e de animais aparecem com mais freqüência nas iluminuras (pinturas decorativas aplicadas junto às letras capitulares de livros), embora seu objetivo seja o de funcionar como auxílio didático para compreensão do texto.

DIVERSOS OLHARES


Miragens, em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, retrata, em 58 obras, a visão de 19 artistas islâmicos ou descendentes sobre seus países de origem. Os trabalhos também comentam o modo como elementos da cultura e identidade circulam entre ocidente e oriente. A imagem ao lado faz parte da série Alvo, da palestina Laila Shawa.


“Alguns remetem a tradições milenares, como a forma de usar números, a religião. Outros mostram eventos recentes da vida política”, assinala Paulo Miyada, coordenador do núcleo de pesquisa e curadoria do Instituto Tomie Ohtake.


As obras,de técnicas tradicionais a videoinstalação, são oriundas de coleções européias e norte-americanas, e de acervos de Paris, Istambul e Damasco.


A exposição foi idealizada por Rodolfo Athayde e a curadoria é de Ania Rodríguez. Miyada destaca o trabalho da fotógrafa Shirin Neshat, que expõe a série Mulheres de Alá. “Passados muitos anos, ela voltou ao Irã para fotografar mulheres que aparecem mudas, com véu bem fechado e caligrafia sobre a pele. A artista mostra a falta de comunicação naquele país.Em alguns casos, de forma metafórica, a mulher aparece com um cano de arma na orelha em vez do brinco”.
O artista plástico Mounir Fatmi, com sua obra inédita Entre Linhas, também chama a atenção. Sobre uma lâmina de serra grande, há inscritos caligráficos com trechos do Corão. As inscrições contrastam com a superfície, dando a entender que os interlocutores podem interpretá-las de uma forma ameaçadora.


“As obras refletem que, para além dos estereótipos, a cultura é profunda, tem várias camadas. Caligrafia não é só uma maneira de escrita. Há muita tradição entre os símbolos e a forma de ver o mundo”, finaliza Miyada.

O CCBB fica na Rua Álvares Penteado, 112, Centro. Funciona das 10 às 20horas. Fone(11) 3113-3651. O Instituto Tomie Ohtake fica na Avenida Faria Lima, 201. Funciona de terça a domingo, das 11 às 20 horas. Informações pelo fone (11)
2245-1900.


Matéria publicada no jornal A Tribuna em 13 de março de 2011.

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