quinta-feira, 22 de abril de 2010

Entrevista: Maurício Ianês *

Já que neste ano haverá a 29ª Bienal de São Paulo (de setembro a dezembro, no Parque do Ibirapuera), que tal relembrar o artista plástico que chamou a atenção do pavilhão na última edição ao ficar nu, na performance A Bondade de Estranhos? A seguir, uma entrevista bem bacana com Maurício Ianês.

Destaque da 28ª Bienal de São Paulo, realizada em 2008, o artista plástico santista Maurício Ianês, chamou a atenção e causou espanto em muitos visitantes com a performance A Bondade de Estranhos, que apresentou de 4 a 16 de novembro daquele ano. Tudo por conta de sua nudez, utilizada como parte do processo do trabalho.

Durante a performance, Ianês não pôde se comunicar com ninguém, dormia no prédio da Bienal e tomava banho no vestiário do pavilhão. Sem roupas, comida ou bebida, ele dependia das doações do público. Não foi a primeira vez que o artista ficou nu em performances.

Em 2007, na Galeria Vermelho, da qual faz parte do casting, apresentou a performance Zona Morta, no festival Verbo. Durante três horas, ele permaneceu deitado no chão, nu e coberto por 16 quilos de glitter dourado. Em entrevista por e-mail, o artista fala sobre a experiência na Bienal, a sua carreira no mundo da moda e a relação com Santos.

Como surgiu a idéia de ficar nu na 28ª Bienal de São Paulo? O que pretendia?
Ficar nu fazia parte do processo do trabalho, mas nunca foi a idéia central dele. A proposta era chegar à Bienal completamente desprovido de quaisquer bens e em silêncio absoluto, deixando ao cuidado do público a minha sobrevivência por meio de doações. Eu me transformaria num espelho das ansiedades, dos desejos e das necessidades do público. O trabalho também pretendia tecer uma rede de relações sociais mantidas sem o uso da linguagem, e isso também aconteceu. No final, as pessoas se apropriaram do espaço criado, tornando-o um lugar de encontros, conversas, onde eu ficava apenas de mediador silencioso. Por vezes, foi difícil ficar calado, mas me acostumo fácil ao silêncio.

Como você encara as doações feitas pelos visitantes da Bienal? O brasileiro é solidário?
Isso foi incrível. Recebi não só alimento, bebida e roupa, mas também cartas de encorajamento. Não acho que esse trabalho seja uma boa medida para analisarmos a solidariedade do brasileiro, pois ele estava contextualizado dentro da Bienal. Sei, no entanto, que muita gente passou a repensar as suas atitudes em relação à pobreza e à vida na rua depois desse trabalho. Sei disso por meio das cartas que me foram doadas.

Quantas doações foram feitas? Qual foi a mais esquisita?
Não sei exatamente quantas peças foram doadas, ainda não as contei. Um dos princípios do trabalho é que eu não julgaria as peças doadas. Posso falar quefiquei muito felizcom uma marmita quente de arroz e vegetais assados. Quando abri e vi a refeição, quase chorei, eu quesouvegetariano.

Achava que sua performance geraria tanta repercussão?
De modo algum. Fiquei chocado.

Quem ainda vai à bienal, pode conhecer o seu trabalho por meio da exposição Área de Silêncio/Área de Monólogo/ Área de Diálogo - uma instalação composta por três peças de vinil adesivo preto cortadas a laser e coladas no chão. O que representa?
Esse trabalho é composto por espaços delimitados no chão, cada um com a sua forma e ligado à área respectiva (silêncio, monólogo e diálogo), que estão ali para serem ativados pelo público, ou criarem a expectativa de ativação.

Como a moda surgiu na sua vida?
Por acaso. Conheci Alexandre Herchcovitch na faculdade, ficamos amigos e acabamos dividindo uma casa. Comecei a me meter nos seus trabalhos de faculdade e faço isso até hoje, só que profissionalmente.

Como foi trabalhar com a direção de criação da Zapping e da Authentic Vision Brasil (AVB), além de ter sido consultor de estilo de Walter Rodrigues e ser colaborador de Alexandre Herchcovitch?
Minha experiência com a Zapping começou como um dos projetos mais interessantes que eu trabalhei, mas infelizmente terminou numa das situações mais desgastantes da minha vida. AVB foi um projeto interessante que também foi abortado. Trabalhar com o Walter foi um grande prazer, ele é um estilista muito especial. E o meu trabalho com o Alexandre é uma grande experiência. Temos liberdade de pesquisa e criação.

Durante seis meses, você participou de uma residência na Cité Internationale des Arts, em Paris, e por dois meses esteve no Quartier 21, em Viena. O que fez na França e na Áustria?
Foram duas residências artísticas que tive esse ano. Foram bolsas de trabalho que recebi, com ajuda de custo local para morar e desenvolver meus projetos artísticos. As duas experiências foram muito enriquecedoras, especialmente a da França, pois no final participei de uma exposição na Galerie Vallois, em Paris.

Qual a sua relação com Santos, além de ter nascido na Cidade? Faz visitas com frequência?
Saí de Santos aos 18 anos para morar em São Paulo e estudar. Guardo boas lembranças da Cidade, que já visitei mais. Mas agora, saindo da Bienal, preciso recarregar as minhas baterias com a minha família, andar na praia no final de tarde e sentar próximo ao mar para ler na Ponta da Praia. Adoro o Orquidário também. Ele ainda funciona? Espero que sim.

* Adaptado do original publicado no jornal A Tribuna em 24 de novembro de 2008.

Um comentário:

  1. Usar a nudez como expressão artística é algo que admiro somente quando tem um propósito não-agressivo e não-pervertido, e Ianês conquistou minha admiração. Acho um ato de coragem se expor assim para trazer um questionamento importante dentro da sociedade, e com certeza os resultados que ele obteve dizem muito. Excelente matéria, mais uma vez.

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